quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Arlequinando com Circo Guaraciaba em Sorocaba

por Rafael Carvalho
fotografias Jonatha Cruz

Arlequina Kombi, nossa querida Arlequina tirou férias. Isso mesmo, quem disse que a “kombota” não precisa de descanso? Pois os mambembes arlequinos dos grupos doBalaio e Cia. Do Outro Eu, juntamente com o fotógrafo Jonatha Cruz, o ator Daniel Marques e eu – Rafael Carvalho – fomos para Sorocaba ter o privilégio de curtir um feriado indescritível!

Sábado de Sol, tudo que temos a frente é uma estrada cheia de incertezas e futuro desconhecido. Se há alguma certeza, é apenas o destino. Sorocaba, cidade localizada no interior de São Paulo, com aproximadamente 586.625 habitantes (Censo 2010) tem um misto de cidade grande, e uma pitada ao mesmo tempo de interior e tranquilidade.

Desembarcamos no centro da cidade, que por sinal já demonstrava um ambiente calmo por conta de suas lojas fechadas, incluindo restaurantes que eram o foco dos viajantes que estavam famintos. Decidimos ir ao shopping da cidade, uma breve caminhada que nos trouxe um contraste urbano, com o interiorano como, por exemplo, os pés de amora em frente ao shopping que aguçou a criança interior de cada um dos arlequinos.

Barriga cheia, mão lavada, pé na estrada? Que nada, o melhor ainda estava por vir. Instalado na Biblioteca Infantil de Sorocaba, o Circo-Teatro Guaraciaba estava pronto para mais uma apresentação. Ouvimos muito sobre este circo, na turnê de apresentações realizada em julho, onde os artistas da Arlequina tiveram o prazer de conhecer um pouco da história deste circo que se não o mais conhecido, um dos mais tradicionais do Brasil por intermédio de Iracema Cavalcante, atriz e uma das estrelas da peça O Machão que conta a história de Anacleto, um chefe de família que sofre nas mãos de sua mulher dominadora. Buscando liberdade, se rende as armações do seu amigo Tobias, curtindo uma boa farra. Anacleto ouve sem querer, sua mulher dizendo que gostaria de ser casada com um homem audacioso, forte e dominador e aí começam as reviravoltas na trama.









Uma apresentação digna de muitos aplausos, risos e boas recordações. Ao final do espetáculo fomos calorosamente recepcionados pela família Malhone e os demais integrante da trupe do Guaraciaba, que nos cedeu local para descansarmos após uma ótima noite de prosa leve sobre arte e vida na residência de Guaraciaba Malhone, filha do fundador do circo Palhaço Pirolito – Antônio Malhone – que deu seu nome ao circo, como homenagem.

Domingo, o que temos para fazer? Assistir algum programa dominical ou, comer em volta de uma mesa uma macarronada e curtir uma preguiça? Claro que não! Após rodarmos quilômetros de distância merecidamente tivemos um dia incrível graças ao convite de dona Iracema para conhecer a represa localizada em Votorantim.


Uma breve estrada é percorrida, rodeada por natureza e envolvida por um dia ensolarado com direito a cantoria. Chegamos a uma espécie de camping localizado a beira da represa. Casais, famílias, amigos... todos os tipos e biótipos se encontram em um espaço de convivência e entretenimento. E lá vamos nós com nossa discreta, e humilde Arlequina montando nosso acampamento quase cigano com direito a um belo lanche, banho de Sol e um mergulho nas águas da represa. Água gelada, literalmente gelada!









Na volta, decidimos conhecer um pouco mais da fé na região visitando a Capela da Penha, que foi construída no século XVII. Localizada em um ponto alto da cidade, a capela tem um misto de deterioração e fé. Como forma de resistência da força e crença dos habitantes de Votorantim, possui diversas imagens já desgastadas pelo tempo, mas repletas de energia. Para completar, uma vista de tirar o fôlego, uma experiência sem explicações.







Voltando a Sorocaba, e chegou a vez de assistir Escrava Isaura, brilhantemente interpretado pelos artistas do Circo-Teatro Guaraciaba. Desta vez, tive o prazer de conhecer os bastidores e até mesmo auxiliar na mágica materialização digamos assim, da escrava interpretada por Iracema Cavalcante. Três escravas completam o núcleo cômico da peça, o riso é garantido.










 A muito tempo, não me sentia tão próximo da arte pelo lado de dentro. A maquiagem, o figurino, a correria no camarim. Em meio a todo esse clima fantástico do circo tivemos nosso derradeiro espetáculo assistido, já constando um clima de saudade.

Voltando a São Paulo, na mala trouxemos recordações, sentimentos diversos, história pra contar. Tivemos a oportunidade de conhecer de perto o universo circense clássico, mesmo que esteja em atual forma moderna, claramente sentimos em cada um dos artistas a energia de seus patriarcas. O amor pela arte, o mesmo amor que uniu todos esses mambembes – como diria Leandro – e os fez a bordo da Arlequina ir em direção a uma viagem cheia de arte e sonhos. Sonhos, coisa que os arlequinos têm de sobra no coração, e é disso que se faz o futuro de todos envolvidos. Que venham as próximas!


segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Estrada da Vida

Por Leandro Hoehne
Fotos de registro da estrada por Ângela Garcia e Garcia

Para ler ouvindo Il Viaggio Continua, de Nino Rota, do filme La Strada de Fellini.



Porque viajar em oito pessoas, dentro de uma Kombi, pesando o limite extra da 1 tonelada, com bagagem literalmente nos pés e nas cabeças, mais o bagageiro repleto e completo em todos os espaços possíveis e passíveis de ocupação?

Porque seguir num rumo certo até certo nível, sem saber se nestas paragens fará chuva ou fará sol, se haverá gente boa ou prefeitura tola, comida quentinha no prato na mesa ou bolacha de emergência? Porque viajar sem saber direito onde dormir, para seguir, afinal, se a próxima cidade nem é assim, aos olhos da capital, e do capitalista, de tanta 'importância'?

Caconde, onde?



Pouso Feliz ou Porto Alegre? Pouso Alegre e Porto Feliz. 


Para que dormir numa noite serenada e fria em São Luiz do Paraitinga e acordar no pique de uma praça de uma igreja que não existe mais?





Porque?


Porque cruzar por estradinhas na velocidade máxima, de uma kombi 93, batendo o ponteiro dos 40 Km/h na curva da subida?


Seguir adiante sem saber da curva do próximo instante e jogar moedas na estrada para Ogum, cantar à São Jorge e ver que não é só de guerra que é feito o mundo.   

Tem um quê de romântica essa viagem. E é isso que talvez chame atenção. Mas não a veja no romantismo do sonho impossível de Hollywood ou da novela das oito. As fotos poderiam ser de filme, assim como as historias. As paisagens poderiam ser locações e as comidas de cozinheiros contratados para compor um belo cenário de almoço em família. As vilas poderiam ser cenográficas e tudo estar submetido ao olhar-indivíduo de um diretor. Sem contar os figurantes locais para um dado realista...

Mas não, não é filme sobre o ideal romântico de encontrar um sentido perdido de coletividade, liberdade, sonho e juventude. Não está fora, numa fabricação de significados, na ilusão do enredo. Está dentro, no instante, no acontecimento. A Kombi é de verdade, cuidada com carinho. As pessoas são amigas de verdade, cuidadas com carinho. A hospitalidade dos que nos recebem também é de verdade. As comidas, bebidas e sobremesas também. As paisagens, as estradinhas e as belas fotografias são reais. E aí uma outra noção de realidade é possível... A realidade efêmera do instante. Digamos que há uma realidade felliniana, possível, onde não há mais limites entre a sombra e a caverna¹ - não há mais fundamentos em Platão e é necessário pensar diferente, a partir de uma outra lógica que não mais a da representação da vida, mas da arte como uma própria vida outra.


Éramos personagens de Fellini fora do filme, sem fazer disso a evocação de um simbolismo etéreo, ou a realização do desejo contemporâneo de que a imagem se transforme em vida; desejo este latente desde que o cinema nos ensinou a ilusionar em favor da transformação vida em imagem. É vida. Vida. 


É clara essa diferença? Entre a vida e representação da vida? 


Me pergunto cada vez mais, antes de perguntar a qualquer outro: está claro para mim ou somos cada vez mais profundamente sujeitos da ditadura das sombras fabricadas por um sistema de poderes e de apoderamento selvagem do simbólico, onde não sou mais eu assim que aciono o próximo click do mouse ou do controle remoto? Sombras fabricadoras de nossa subjetividade, nosso universo simbólico, nossa cultura e, portanto, natureza.


Me pergunto então se neste mundo que nos sufoca e evoca à velocidade, ao consumismo e à superficialidade das relações, há espaço para que seja aberta uma fenda no tempo-espaço, real-simbólico, uma brecha nas relações de poder e não-poder, para que nos façamos a seguinte pergunta: qual a realidade que queremos?


Não é a de seres-humanos assistindo as sombras passarem na parede de nossas ocas, vazias e geladas cavernas. Me lembro de uma cena do filme A Estrada da Vida, de Fellini, onde Gelsomina abandona Zampano em um estábulo vazio e ruma sem rumo, para encontrar ou ser encontrada, na impossibilidade de conceber uma realidade a qual está obrigada a viver. Talvez o estábulo seja um pouco dessa caverna e nós um pouco de Gelsomina.




Quando vivemos um tempo onde as ideologias não dialogam, onde as possibilidades a serem vislumbradas são extremistas - a da mudança, revolução como evento-espetáculo; a da conservação, o extremo do conservadorismo - as pequenas nuanças da vida passam desapercebidas. O simples passa a ser banal e menor frente às grandiozidades fabricadas por nossa sociedade do espetáculo.

Não seguimos viajando para revolucionar nada, muito menos para alienar-se num escapar dos problemas. Continuamos sendo, vivendo e trabalhando em nossas periferias, levantando questões de militância, de atitude política, de mobilização e articulação de pessoas. Mas tivemos a oportunidade de revolucionar as relações, refletir sobre o estar artista em um contexto onde a arte e o publico não ocupam o mesmo lugar que nas metrópoles capitais, enquanto conceito. Sim, a arte é diferente porque é diferente o contexto - fica claro e bate forte os versos de Criolo dizendo que "não existe amor em SP", de Milton Nascimento dizendo "nada é igual se for bem natural, se for de coração, além do bem e do mal, coisas da vida", da oração de São Jorge cantada por Caetano e Bem Jor dizendo "para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem (...) e nem mesmo pensamento eles possam ter para me fazerem mal " e de Lennon dizendo "all we need is love". Metaforicamente claro.

Talvez viajamos para nos distanciar de nós mesmos e, afinal, nos re-encontramos estranhos, brechtianamente estranhos.

Talvez seja essa a revolução? 


Não. Nem "re", nem "e" e nem "in", mas só volução². Voluto eterno, um rolar dos acontecimentos com a simplicidade de quem vive por viver. Assim fica o sorriso do menino que nos ensina uma piada nova (sabe o que o burro faz no rio? Reflexo.), o choro de pai, mãe e filha quando cantamos a despedida, o olhar tranquilo de um padre que reconhece algo não tão tranquilo para sua igreja, as histórias cheias de emoção contadas por nossa musa inspiradora Dna Iracema, o olho no olho de quem... nos olha no olho. 


Simples assim, como a estrada da vida.









1 - Mito da Caverna, de Platão. Indico a tradução contida no livro "Convite à Filosofia" de Marilena Chauí.
2 -Ler texto de Bia Medeiros, pelo coletivo Corpos Informáticos, em http://www.corpos.org/folds/frcorp24.html

Confissão ao palhaço!

Por Rafael Carvalho
Fotografias Jonatha Cruz



   Há aqueles momentos em que, uma cena te faz lembrar algo que nunca foi visto. Sorri, sorri novamente como a criança que se esconde nos meus cantos internos, e meus olhos brilharam assim como, um dia foi. Em meu canto mais sombrio da mente, uma janela se abriu quando em tua face pintada, reencontrei o sabor do riso espontâneo trazendo uma luz que já não é de hoje existir.


   Como pôde uma cara pintada, fazer mais efeito que o remédio que o doutor receitou? Como pôde, a palhaçada nunca perder a graça? Doutores, sim, doutores da alegria que curam as feridas que o próprio eu insiste em apertar. E por trás da tinta, por trás da cor, por trás do nariz vermelho está o ser transformador.

   Corre o sonho, que de tanto correr agarrou e não soltou. Traz a alma do palhaço, esvazia o teu eu e preenche desse tal Doutor, faz sua graça e alivia essa vontade de ter de volta aquele sorriso persistente não só nos lábios, mas também no coração.


   Artista, poeta das ações, alma emprestada, criatura e criador! Vagando no mundo, e entrando no nosso com uma leveza sem fim, quase sem perceber nos invade trazendo aquela velha lembrança de algo que nunca existiu. 

   Assisti, aplaudi e agora entendi que se no meu peito senti uma felicidade, se nos meus lábios postei um sorriso, e confesso, se em meus olhos lágrimas se acumularam o propósito se concretizou, vi a palhaçada e me encontrei... bendito Doutor esse palhaço que me acordou.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Caminhos, e o caminho de casa!

Por Rafael Carvalho
Fotografias Jonatha Cruz


Para ler ouvindo A Vida do Viajante - Luiz  Gonzaga

   Após a passagem por Porto Feliz, e a ótima recepção da Dona Iracema nossos Arlequinos seguiram viagem em direção a Cananéia na região litorânea de São Paulo. Otimamente recepcionados no Camping das Bromélias, pelos proprietários Senhor Silva e Renata.


    No último sábado (14) já pela manhã, os arteiros se dirigiram a praia, como não são bobos foram desfrutar de uma paisagem paradisíaca que esta cidade colonial exibe. Conheceram o local onde seriam montados os cenários para, apresentação do grupo doBalaio e a exposição do fotográfo Jonatha Cruz.



   Ao entardecer, o circo se armou pela derradeira vez, já deixando um rastro de saudade no coração de cada um dos artistas. Com um público totalmente participativo e receptivo, a apresentação que desta vez, não teve a participação do grupo Cia do Outro Eu, não perdeu pra nenhuma das outras cidades.





   Sucesso também foi a palavra chave para, a ultima cidade a contemplar as obras da exposição Do Outro Lado da Ponte. Mais depoimentos foram registrador no caderno de visitas, muitos elogios e comoção com cada personagem destas fotografias sensíveis que logo estarão na capital paulista assim como, as apresentações dos dois grupos Arlequineiros!


   Todos tiveram o prazer de conhecer José Eduardo Xavier, fotógrafo da cidade que elabora um trabalho independente com fotografias próprias, transformando em cartões postais, cartões esses que José fez questão de presentear os teatreiros.


   Após o trabalho, chegou a hora de que? Curtir a festa junina que se instalava no mesmo local das apresentações com direito a comidas típicas, apresentações musicais e claro, a tradicional quadrilha. Festa Junina esta que, homenageava nada mais nada menos do que o centenário de Luiz Gonzaga. 

   Alguém tem duvida que o final desta viagem, poderia ser melhor? Se você acha que não se enganou, pois no dia seguinte não contentes, nossos queridos artistas viajantes foram em direção a Ilha do Cardoso com uma missão, visitar os golfinhos que ali habitam.

   No final das contas, ninguém viu golfinho e essa aventura foi mais do que radical, com direito a muito frio e maré enchendo, mas uma coisa é certa, no coração de cada um havia o sentimento de missão cumprida.


   Agora a cidade privilegiada com as apresentações e a exposição, é nossa velha e querida terra da garoa, São Paulo!  Abaixo o cronograma com os horários e locais por onde Arlequina Kombi irá passar na capital. 



   E eu, Rafael Carvalho me despeço desta viagem também. Tive o prazer de acompanhar cada instante, cada fato como se estivesse de corpo presente.
   Vi em cada fotografia, o brilho nos olhos das crianças que estavam no público. Vi a arte tocando cada um que presenciou a exposição de obras fotográficas, que relatam um cotidiano talvez nunca visto pelos moradores destas cidades. Senti mesmo a distância, a energia e a paixão de cada participante deste projeto mágico, com suas dificuldades, histórias e lutas individuais para que todo esse espetáculo se concretizasse.
   Parabéns queridos amigos Arlequineiros, parabéns por somarem um grupo de seres e almas que fazem a diferença, ou que se esforçam para serem mais do que meros seres pensantes e sim seres transformadores. Sinto-me orgulhoso em ter participado deste propósito, que tenho certeza estar somente no começo, um primeiro capítulo de uma grande história.

Um grande abraço, até as estrelas!

Fotografia de Leandro Hoehne